segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Saúde!

Acordou de manhã, olhou pra janela. Parecia não fazer quinze minutos que havia deitado. Praguejou, virou-se com dificuldade e, por fim, terminou levantando-se do sofá sujo, empoeirado, esburacado. Não lembrava da noite anterior. Como chegara em casa? Ainda tinha nas mãos as chaves do cupê e, com muita dificuldade tentava organizar os flash’s que teimavam em vir e voltar de sua mente nebulosa.
O que fizera? Com quem estivera? Não conseguia organizar duas lembranças que aquela dor infernal vinha desmanchar qualquer possibilidade de um pensamento coerente e aceitável.
Lembrava ter ido até um dos bares habituais, pedir uma cerveja e... Ai! Lá vinha novamente aquela pontada nas têmporas. Sentia o trem do Circo Picadeiro’s, levando todos os elefantes adestrados do mundo, invadir-lhe a cabeça. Jurou nunca mais beber. Afinal, por que bebia? Por que não conseguia resistir à tentação de uma boa vodca? Por que se rendia àquela mágica boemia das companhias noturnas, dos bares cheios de MPB e solitários convictos?
Decidiu fazer algo. Não podia mais continuar levando aquela vida. Calçou o sapato do pé esquerdo, que havia conseguido retirar em seu sonambulismo embriagado da véspera, e dar a volta por cima. Não beberia mais. Estava certo de que aquela fora seu último porre. Parou de súbito. Lembrou, em mais um flash, que estivera com dois outros espectros da noite e, depois de algumas tequilas, fizeram planos para a erradicação da fome no Brasil, fundação de uma célula anarquista etc, etc,etc...
Lembrava também que os outros da mesa aplaudiram quando, em pé, cantou um trecho de uma antiga canção punk-rock. Todos do bar ovacionaram sua performance... Aiii! Caiu sentado no sofá... A dor fazia sua cabeça latejar de tal forma que pensava sofrer um derrame.
Convencido de que aquela fama passageira não passava dos quinze minutos que movem os Robert’s de plantão, chegou à conclusão de que parar de beber seria a melhor saída. Foi em direção do pequeno bar em sua estante. Não restaria nada. Seria o apocalipse etílico...
Entre muitas garrafas viu escondido, atrás de um 12 anos, um copo muito antigo. Estivera ali por muito tempo e ele não dera a menor atenção. Na verdade nem lembrava mais dele. Um copo de uísque com várias assinaturas, lembranças, mensagens. Sentiu de repente uma década e meia passar frente a seus olhos.
Lacrimejou. Lá vinha aquela dor. Cada vez mais forte. Percebeu que cada assinatura era uma história. Que cada marca no copo, era uma marca em sua vida e um saudosismo delicioso e inigualável inchou seu peito. Chorou!
Pegou o copo. Já não sentia dor. Aproveitou que ainda estava com as chaves. Foi comemorar. Cada um tem uma história. Aquela era a sua.