sexta-feira, 12 de agosto de 2011

É impressionante como mesmo depois de tanto tempo alguns textos ainda tem uma certa relevancia.


Esse pequeno fragmento e de um livro de Eça de Queirós, publicado em 1901 o livro passa a idéia central contida no conto civilização datado de 1892.


Tive a idéia de publicar esse trecho por experiências vividas recentemente baseados nessa megalópole em que vivemos atualmente, e em como a solidão nos atinge ( mesmo cercados de pessoas).



...Certamente meu Príncipe, uma ilusão! E a mais amarga, porque o homem pensa ter na Cidade a base de toda sua grandezae só nela tem a fonte de toda sua miséria. Vê Jacinto! Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou um ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos molescomo trapos, de nervos trêmulos como arames, com cangalhas, com chinós com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem febra, sem viço, torto, concurda - esse ser em que Deus, espantado, mal pode reconhecero seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na Cidade findou sua liberdade moral: cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência; pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; rico e superior como um Jacinto, a sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimônias, praxes, ritos, serviços mais diciplinares que os de um cárcere ou de um quartel...



A sua tranquilidade ( bem tão alto que Deus com ela recompensa os santos) onde está meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro! Alegria como haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar - e que, nunca fartando o desejo, a incessantemente padecem de desilusão, desesperança ou derrota? Os sentimentos mais genuianamente humanos logo na Cidade se desumanizam! Vê meu Jacinto! São como as luzes que o aspero vento do viver socialnão deixa arder com serenidadee limpidez; e aqui abala e faz tremer; e além brutamente apaga; e adinte obriga a flamejar com desnaturada violência. As amizades nunca passam de alianças que o interesse, na hora inquieta da defesa ou na hora sôfrega do assalto, ata apressadamentecom um cordel apressado, e que estalamao menor embate da rivalidadeou do orgulho. E o amor, na Cidade, meu gentil Jacinto? Considera esses vastos armazéns com espelhos, on de a nobre carne de Eva se vende, tarifada ao arrátel como a de vaca! Contempla esse velho deus do himeneu que circula trazndo em ves do ondeante facho da paixão a apertada carteira do dote! Espreita essa turbe que foge dos largos caminhos assoalhados em que os faunos amam as ninfas na boa lei natural, e busca tristemente os recantos lôbregos de Sodoma ou de Lesbos!... Mas o que a Cidade mais deteriora no homem é a inteligência, porque ou lhe arregimenta dentro da banalidade ou lhe empurra para extravagância. Nesta densa e pairante camadas de idéias e fórmulas que constitui a atmosfera mental das cidades o homem que a respira, nela envolto, só pensa todos os pensamentosjá pensaqdos, só exprime todas as expressões já exprimidas - ou então, para se destacar na pardacenta e chata rotina e trepar ao frágil andaime de gloríola, inventa num gemente esforço, inchado o crânio, uma novidade disforme que espante e que detenha a multidão como um monstrengo numa feira. Todos intelectualmente, são carneiros, trilahando o mesmo trilho, balando o mesmo balido, com o focinho pedindo para poeira onde pisam em fila, as pegadas pisadas; e alguns são macacos, saltando no topo de mastros vistosos com esgares e cabriolas. Assim meu Jacinto, na Cidade, nesta criação tão anti-natural onde o solo é de paue feltro e alcatrão, e o carvão tapa o céu, e a gente vive acamadanos prédios como o paninho nas lojas e a claridade vem pelos canos, e as mentiras se murmuram através de aramaes - o homem aparece como uma criatura anti-humana, sem beleza, sem força, sem liberdade sem riso, sem sentimento, e trazendo em si um espirito que é passivocomo um escravoou impudente como um histrão...E aqui tem o belo Jacinto o que é a bela cidade!


escanifrado - magro seco


unto - gordura, banha


cangalhas - óculos em sentido figurado


chinós - perucas


arratel - peso antigo equivqlente a 459 gramas


esgares - trejeitos, caretas, macaquices


cabriolas - cambalhotas


histrão - literalmente ator cômico, palhaço, figuradamente: homem vil charlatão





Espero que tenham gostado do texto pois o mais impressionante é a data do mesmo.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Back to nowhere

Diário de viagem, algum lugar de lugar nenhum - Brasil - 09 de julho de 2008.
Feriado em São Paulo e eu aqui, tão longe... E esta sensação, que não me abandona, de estar em outro país. A solidão da estrada faz com que a gente converse com pessoas que, costumeiramente, minhas neuroses típicas da teoria da conspiração não permitiriam.
Um senhor com, provavelmente, mais tempo de vida do que soma das horas de trabalho das eternas prostitutas do entorno de todas as rodoviárias, vem e diz:
_Tá gostano de nossa cidade?
_Já conhecia - respondo. (Mentira).
_Genti rica viaja bastante pra cá... O sinhô parece ser de famía rica.
_Nem de longe - afirmo com impetuosa prontidão, olhando em volta, alerta. O que é ser rico? - Pergunto.
_Sei não, só mi pareceu. Mas o sinhô estudô bastante, não?
Divago. Essa coisa de chamar de senhor; esse respeito vertiginoso que está arraigado no povo brasileiro, resquício de passado colonialesco, com tudo e todos que lhe parecem ser mais, ter mais...
_Eu num istudei, não sinhô - continua. Só sei fazê cela pra cavalo e tocá violinu. "Só? Apanho até hoje do meu violão de estudante" - penso.
Mostra-me as mãos cheia de calos e o polegar ainda com amostras de tinta do último departamento público que solicitou sua assinatura.
_Num cunheço nenhum outro lugá. Nem o Rio, nem São Paulo.
Pega minhas malas, já atarefado com os próprios pertences, como se tivesse a estranha obrigação moral de servir.
_Não está perdendo muita coisa.
Pegando minhas malas de volta, respondo meio triste, meio irritado com tanta submissão voluntária.
Silêncio... Embarco para outro rincão de paisagens e pessoas esquecidas.