quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Antes do ensaio...

Olhava o copo no balcão. Sentia aquela tontura inicial e tinha certeza, como em todas as outras vezes que, de súbito, esse mal estar iria passar, muito embora isso nunca acontecesse. Olhava o copo no balcão como quem olha a mulher desejada, o oásis no deserto, o torcedor fanático na arquibancada vendo seu amado XV de Jaú ser campeão da Libertadores... Por que será que tinha esse fascínio por destilados? Concentrou-se no copo sobre o balcão. Pensou se alguém prestava atenção em sua presença. Sim. Havia dois rapazes bem mais moços, diretamente a sua frente como que hipnotizados com sua com seu flerte solitário. Esses moleques! – pensou. Tinha verdadeira ojeriza a adolescentes em bares... Só os odiava porque também já tinha tido as mesmas manias, o mesmo vazio existencial deliciosamente despreocupado e cheio de planos. Mas isso, agora, era uma história que ninguém queria ouvir.
Esqueceu-se dos meninos e concentrou-se em seu troféu. Uma tequila ouro em um copo de vidro tão espesso quanto as lentes dos óculos do velho atrás do balcão que, freneticamente, esfregava um trapo velho na parede, insistindo sem êxito, em extrair uma mancha que fora parar lá se sabe de que jeito. Tinha, o velho, um aspecto tão deformado e estranho que acentuava a cena grotesca de sua tarefa infame. Irritou-se por se deixar distrair com tão medonho ser, e voltou os olhos à sua ocupação inicial. Contemplar 80 mililitros de líquido castanho claro, composto alcoólico com 52 graus de teor depressivo do sistema nervoso central. Era chagada hora. Iria, enfim, degustar seu pedido.
Os moleques falavam agora em voz alta tentando demonstrar algum conhecimento sobre garotas, mas suas peles cobertas de pústulas naturais desta fase de solidão sexual acentuavam as olheiras que pareciam pertencer a personagens de certo clip do rei do pop.
Novamente encontrava-se divagando, com tantos pensamentos e esquecera-se de seu intuito em tão fétido botequim. Tinha esses transtornos de déficit de atenção e isso o deixava deveras irritado. Por quantas vezes deixara o leite ferver até derramar no fogão ainda que não tirasse os olhos do “canecão”? Forma, aliás, de chamar a leiteira que lhe rendera, fora do âmbito familiar, diversas gozações. Olhou no mostrador de horas na parede ao lado de um pôster da Portuguesa de 1973, cujo campeonato paulista havia sido dividido com o Santos. Quem torcia pra Portuguesa? Quem lembrava de um campeonato que acontecera há mais de 25 anos e que tinha tido dois vencedores?Olhou para cara do velho. Olhos pros rapazes. Ou eram meninos? O que estava fazendo ali? Deixou uma nota qualquer sobre o balcão imundo e saiu, mais uma vez, sem ser notado.