terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O SELVAGEM!!!

Leia o texto e veja o clip

O SELVAGEM

Saía para balada todas as noites. Pai e mãe descabelados.
Dormia até tarde. Apareceu com uma tatuagem no braço.
Um desenho que não parecia fazer sentido.
_ O que é meu filho? - gemeu a mãe.
_Tribal.
Logo a mãe descobriu que existem “escolas” de tatuagens: tribais, étinicas, new age...
O pai quase teve um infarto. Piorou quando soube que a turminha do prédio estava se reunindo em um apartamento vazio, com três velhos colchões jogados. O porteiro dedou:
_ Ficam lá, a noite toda ouvindo mùsica...
Foram expulsos. A tia comentou:
_ Se ao menos ele tivesse uma boa namorada!
Apareceu com uma candidata. Tinha piercing nas sobrancelhas. A mãe tentou se conformar.
_ Até que é bonitinho!
Ela abriu a boca para agradecer. Também tinha piercing na lingua!
De noite a mãe quis aconselhar.
_Meu filho, e se sua lingua ficar presa?
O rapaz olhou-a como se fosse marciana.
_ Tá me tirando mãe?
Outra surpresa:
_ Ah meu filho a traça roeu sua camiseta. Está cheia de furinhos.
_ Comprei assim é lançamento.
Viu a etiqueta da grife italiana. Adquirida em dez prestações no cartão!
_ Você pagou tanto em uma camiseta furada!
De noite na solidão do quarto o pai se contorcia.
_Oque vai ser desse rapaz?
Prestou vestibular. Para surpresa de todos passou. Faculdade em uma cidade próxima. Dali a alguns meses, anunciou:
_ Arrumei um trabalho!
Alivio.
_ Qual o sálario?
_ É voluntário. Em uma ONG para proteger os meninos de rua!
O casal fugiu para o cinema. Durante a pizza, o pai vociferava:
_ Pode se dar ao luxo de ser voluntário porque tem quem o sustente! No meu tempo eu só pensava em comprar um carro novo!
A mãe refletiu. Anos a fio, trocando de carro. De casa. Seria tão bom não ter esse tipo de preucupação!
O marido insistiu. Era o caso de chamar um terapeuta. Marcaram consulta.
_ Para quê? Não preciso de terapia!
_ Você precisa conversar, tem de tomar um rumo na vida!-explicou o pai.
A custo foi convencido. Não sem alguma chantagem financeira.
O psicólogo o recebeu em uma sala aconchegante,com poltronas.
_ Por que veio aqui?
_ Meu pai mandou. Eu mesmo não tinha a menor vontade.
Péssimo começo.
_ Não costumo receber ninguém porque o pai mandou. Estudei com sua mãe. Estou aqui como amigo. Não considere que é uma consulta.
_Meus pais não me entendem.
_ Quem sabe você possa me dizer por quê.
_ Eu quero qualidade de vida, sabe? Não passar o tempo todo me matando para ter coisas. Quem sabe mais tarde vou morar numa praia... e trabalhar com alguma coisa que eu goste. Sei lá, entrei numa ONG...
O terapeuta observou as tatuagens (agora já eram cinco), o brinco ousado a camiseta torta. Cabelos espetados. Atrás da aparência selvagem, reconheceu seu passado. Em sua época, a juventude também fora assim. Com projetos de vida. Teve uma sensação de alegria, por que afinal... a juventude continuava sendo... a juventude.
_ O que mais quer? - perguntou.
_ Dividir a vida com alguém. O mundo anda tão complicado, tanta doença... eu queria ter uma relação fixa. Eu só dela, ela só minha!
Sorriu.
_ Quem sabe ter filhos mais tarde.
Despediu-se do terapeuta com um abraço. O profissional ligou.
_ Qual o problema do meu filho? - quis saber o pai.
_ O problema é nosso, que esquecemos como fomos. E parafraseando a música, nos tornamos como nossos pais.
_ Ahn?
Quando o pai desligou, sorria. Tudo era muito diferente, mas, no fundo, igual!
Quem disse que os jovens não têm mais sonhos?


Fonte: Revista Veja São Paulo

Nenhum comentário: